A Liturgia tem um espaço
Toda
Religião inclui, entre símbolos que expressam a sua crença, ‘ lugares
sagrados’ que marcam o encontro com o divino. Estes lugares vão desde
uma gruta ou uma pequena ermida construída à beira dos caminhos, em
locais distantes da cidade, até os grandes templos e catedrais. Em todos
eles o que se quer é expressar a fé na divindade e a busca de sentido
para a vida.
No tempo da primeira aliança, na época dos
patriarcas Abraão constrói um altar para invocar o nome do Senhor, em
Betel para invocar o nome do Senhor (cf. Gn 12, 7-9); depois, durante
sua caminhada pelo deserto, o povo arma tenda como lugar de reunião e
encontro com Deus (cf. Êxodo 33,7-11); mais tarde, mesmo compreendendo
que Deus não cabe nos quadros estabelecidos pelos humanos, o povo chega a
construir um templo em Jerusalém para ser o lugar de habitação de Deus
(cf. 1 Rs 8, 26-29). A construção do lugar de culto tem a ver com a
compreensão que o povo tem de Deus e de si mesmo em cada época de sua
história.
Há um perigo, que os profetas já haviam indicado, de
identificarmos Deus com o próprio lugar de culto ou usar a casa de Deus
em beneficio de interesses particulares. Isso aconteceu com o povo de
Israel no tempo de Jesus. Diante do templo, transformado em “casa de
comércio”, Jesus anuncia novo lugar de encontro com Deus, o seu próprio
corpo ressuscitado (cf. João 2, 14-22) presente na comunidade reunida
cristã e habitada pelo Espírito Santo (cf. Mt 18,20). Por isso, as
primeiras comunidades cristãs não tinham templo, nem altares, mas
entendiam que o verdadeiro sacrifício era espiritual, adoração a Deus em
espírito e verdade (cf. João 4, 23; Efésios 2, 19-22; 1 Pedro 2, 4-10).
Contudo,
os cristãos precisavam de um lugar para fazer reunião, escutar a
palavra e celebrar a eucaristia. No início se reuniam nas casas (cf.
Atos 2, 42-47; 20,7-12), como o próprio Jesus fez em sua última ceia(cf.
Lucas 22, 7-13). Depois, veio à perseguição do império Romano, e então a
reunião acontecia às escondidas, nas catacumbas, nos túmulos dos
mártires, que serviam de altar. Mais importante que a construção em si,
era a comunidade reunida em torno da palavra e da Santa Ceia, sinais de
Cristo ressuscitado.
Quando, no século IV, Constantino decreta o
cristianismo como culto oficial do império, os espaços públicos de uso
do estado são adaptados para o culto cristão. A partir daí a Igreja se
distancia da proposta original, deixada por Jesus e pelas primeiras
comunidades, e de acordo com o perfil que esse distanciamento toma em
cada época, também a liturgia sofrerá modificações, e, por conseguinte,
também a construção e organização da Igreja. Com o tempo, a Igreja
edifício perde a finalidade de lugar de reunião da Igreja-comunidade ao
redor da Palavra e da Ceia. A liturgia não é mais uma ação realizada com
plena participação da assembleia, o padre preside sozinho e de costas
para o povo e o altar deixa de ser o centro para dar lugar ao
tabernáculo.
O Concílio Vaticano II renovou a liturgia, propõe
mudanças profundas também no formato e no estilo dos espaços que devem
abrigar a assembleia em celebração. O altar volta a ter lugar central, a
estante da Palavra é valorizado em pé de igualdade com o altar, o lugar
para composição da assembleia são colocados em forma de círculo para
expressar a Igreja povo de Deus, realidade de comunhão. Como a liturgia é
de natureza simbólica, o espaço também, além de funcional, deve ser
capaz de traduzir na linguagem dos sinais (beleza, verdade dos
materiais, simplicidade, sobriedade…) o sentido do mistério.
Por
isso, dentro de um espaço tudo tem que ser pensado com critério: a forma
e o estilo da construção; os materiais utilizados; as peças mais
importantes como o altar, a estante da Palavra, a cadeira de quem
preside e o lugar da assembleia; também as peças menores como o círio e
seu pedestal, a cruz procissional, as vestes, as toalhas, as alfaias
usadas na Santa Ceia… É importante que a definição do espaço e de sua
organização interna seja feita com “conhecimento de causa”. Ao mesmo
tempo, o espaço deve, de certa forma, transcender a realidade. Neste
sentido, ele cumpre uma função educativa, na medida que se torna fonte
de inspiração permanente, lembrando nossa condição de peregrinos e
apontando para definitiva morada.
Padre Anderson Marçal
cursou estudos filosóficos no Instituto Canção Nova. Em 2004, iniciou os
estudos teológicos em Palmas (TO), arquidiocese à qual pertence
canonicamente. Ordenado sacerdote em 2007, padre Anderson é mestre em
Teologia e doutor em Teologia Pastoral Bíblica-Litúrgica.
Fonte: Canção Nova
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