segunda-feira, 24 de março de 2014

Os estigmas: O que são? Por que são?


Em síntese: Os estigmas são chagas que alguns fiéis trazem em seu corpo, configurando-se a Cristo Crucificado. O fenômeno é complexo, pois envolve não só noções de Teologia e Mística, mas também fato­res de Psicologia e Medicina; elementos religiosos e reações fisiológicas se conjugam, tornando por vezes o diagnóstico difícil, já que o fenômeno assume várias facetas. Como quer que seja, dos muitos casos de pessoas estigmatizadas que se conhecem, pode-se dizer que vários são autenticamente sobrenaturais ou graças extraordinárias concedidas pelo  Senhor Deus. Com efeito; vêm a ser uma modalidade de participação na Paixão de Cristo decorrente de intensa devoção a essa santa Paixão; têm por finalidade santificar a pessoa estigmatizada por mais íntima união a Jesus Crucificado como também contribuir para a Redenção do mundo no sentido das palavras de São Paulo em Cl 1,24: “Completo em minha carne o que falta à Paixão de Cristo em prol do seu Corpo, que é a Igreja”.

É certo que o fenômeno dos estigmas está associado à meditação da Paixão dolorosa, pois não ocorre entre os cristãos orientais, que mais se devotam à contemplação do Cristo que reina através do lenho da Cruz.

O fenômeno dos estigmas, tal como ocorre, por exemplo, em Frei Pio de Pietralcina (muito conhecido no Brasil) e outros fiéis, suscita interrogações: afinal que tipo de fenômeno é esse? Como se pode explicar? Que sentido tem?

É a tais indagações que serão dedicadas as páginas seguintes.

1.  Estigmas: que são?


A palavra estigma vem do grego stigma = picada dolorosa. Originariamente indicava a marca impressa no gado com ferro quente, em sinal de apropriação por parte do boiadeiro. Passou a designar, em linguagem cristã, as chagas infligidas ao corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo por ocasião de sua Paixão. E, por último, significa as feridas que pessoas piedosas trazem em sua carne reproduzindo as chagas de Jesus.

Não há notícia de pessoas estigmatizadas antes do século XIII. O primeiro caso registrado é o de São Francisco de Assis, que, aos 14/9/1224, recebeu em seu corpo os sinais da Paixão de Jesus. Após esse Santo, vários outros casos ocorreram na história da Igreja até nossos dias.

Também se observa que os cristãos protestantes apresentam pouquíssimos casos de estigmas, ao passo que os ortodoxos orientais não o conhecem em absoluto. A razão disto é que o fenômeno dos estigmas está associado à contemplação da Paixão dolorosa de Cristo, devoção esta que tomou grande incremento no Ocidente a partir do século XIII por causa dos relatos dos cruzados e outros peregrinos que, voltando da Terra Santa, narravam minúcias da Paixão do Senhor como as haviam observado nos lugares sagrados.

Os estigmas vêm a ser fenômeno que a Psicologia, a Medicina e a Teologia, têm estudado intensamente, a fim de lhe dar uma explicação
satisfatória, ou seja, sem ceder a um falso misticismo como também sem cair no naturalismo racionalista. Na verdade, há vários casos de pessoas estigmatizadas que não podem ser elucidados todos da mesma maneira. É o que passamos a verificar.

2.  Como explicar?

Procurando sintetizar o que a pesquisa transmite aos estudiosos, pode-se dizer o seguinte:

É inegável a influência do psiquismo sobre o corpo humano. O medo faz empalidecer, dilata as pupilas, provoca suor frio, gaguejar (…). A vergonha faz enrubescer (…). Em certos casos ditos “crepusculares” (como os da consciência adormecida, hipnose…) se as imagens se tornam mais vivas e efetuam um processo psicoplástico: eczemas, dermografia (sinais ou letras na pele), acne (erupção pustulenta resultante de inflamação), paralisia de certas funções do organismo (…).

Alguns pesquisadores admitem que uma idéia muito viva e estimada possa chegar a produzir sinais corpóreos. Assim a sugestão incutida a uma pessoa muito sensível pode redundar em marcas no corpo dessa pessoa correspondentes ao objeto sugerido. Ver a propósito ainda o Apêndice deste artigo, pp. 506s.

Na base destas verificações, pode-se afirmar que a contemplação da Paixão do Senhor em grau muito intenso pode produzir lesões na
pele do(a) contemplante, lesões semelhantes àquelas que se encontram no objeto contemplado.  Em tal caso, os estigmas
são a expressão do grau de elevação do sentimento religioso da pessoa, e evidenciam a que ponto pode chegar a força psíquica do indivíduo. É esta a explicação que se dá a casos de pessoas muito santas que apresentam estigmas: S. Francisco de Assis, S. Catarina de Sena, S. Gema Galgani, Frei Pio de Pietralcina… A santidade de vida desses fiéis exclui qualquer processo fraudulento, qualquer tendência a fazer teatralidade ou tragédia, provocar compaixão… O Senhor Deus concede a tais pessoas a graça de participarem
corporalmente da Paixão de Cristo, atendendo assim a um anseio das mesmas, desejosas de se configurar ao Senhor Jesus; nessas pessoas a graça de Deus serve-se da índole particularmente sensível de sua personalidade para provocar os sinais da Paixão de Cristo.

Todavia nem todos os casos de estigmas podem ser diagnosticados com segurança e clareza.

Há casos em que os estigmas aparecem juntamente com vários sintomas doentios e que parecem ter causa na configuração mórbida da pessoa estigmatizada e não na graça de Deus. De modo especial salienta-se a histeria; a pessoa histérica assume freqüentemente comportamentos e estilo devida teatrais, exibicionistas, procurando chamar a atenção dos outros, impressionando-os ou cativando a sua simpatia ou a sua compaixão; daí  a facilidade com que tais pessoas podem querer parecer-se com Jesus Cristo Crucificado por mitomania ou por um desejo doentio. Em alguns casos o anseio psicológico da dramatização ou de impressionar os outros pode ter produzido a configuração corpórea correspondente, sem que se possa dizer que tais pessoas tenham sido especialmente esquecidas
pela graça de Deus. Não é necessário que essa dramatização histérica seja efeito consciente e premeditado da parte da pessoa estigmatizada; o inconsciente pode levá-la a apresentar a configuração estigmatizada, de modo que não se pode dizer que todos os histéricos são mentirosos e hipócritas.

Estas dados complexos relacionados com a Psicologia e Fisiologia tornam polivalente o fenômeno dos estigmas. Cada caso há de ser considerado de per si. Haverá mesmo casos em que não se poderá definir com clareza a índole do fenômeno: seria realmente uma graça de Deus ou resultaria unicamente da natureza mórbida da pessoa em foco? É de crer que não raro os dois fatores se conjugam entre si.

Em todo caso, porém, será sempre de grande valia a análise do contexto em que ocorrem os estigmas como também a consideração do teor de vida ou do comportamento geral da pessoa estigmatizada. Se o exercício das virtudes (amor a Deus e ao próximo, espírito de penitência, prática da oração) é notório, pode-se crer que os estigmas são a resposta do Senhor Deus à piedade do(a) seu(sua) servo(a).

Ainda se deve notar que nem todas as chagas que aparecem no corpo humano podem ser tidas como estigmas. Geralmente os estigmas aparecem e desaparecem instantaneamente (podem aparecer, por exemplo, na noite de Quinta para Sexta-feira e desaparecer na noite seguinte, devendo o mesmo fenômeno reaparecer na semana seguinte). Além disto, os estigmas não são acompanhados de supuração; são persistentes, apesar de todos os tratamentos e cuidados médicos que se lhe dispensem.

Pergunta-se agora:

3.  Qual o significado religioso dos estigmas?

Antes do mais, é de notar o seguinte: na medida em que são autênticos fenômenos sobrenaturais (questão que deve ser cuidadosamente investigada), os estigmas não são essenciais a uma vida santa; a prática das virtudes, mesmo em grau heróico, não leva necessariamente à produção de estigmas.

Quando ocorrem e são genuínos dons de Deus, revestem-se de duplo significado:


Participação física da Paixão de Cisto, correspondente a um anseio da pessoa piedosa. O Senhor concede a fiéis que se devotam a reconhecer seu Amor Crucificado, a graça de trazer em seu corpo os vestígios da Paixão de Cristo.

Essa  participação da Paixão do Senhor tem efeito de santificação não só em favor da pessoa estigmatizada, mas também em favor do próximo, segundo diz São Paulo: “Completo em minha carne o que falta à Paixão de Cristo em favor do seu Corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24). Na verdade, ninguém pode acrescentar algum valor à Paixão de Cristo  Infinitamente meritória, mas todo cristão pode dar a essa Paixão a moldura própria da sua personalidade, pode estendê-la ao seu respectivo “aqui e agora” em favor dos irmãos ou numa atitude corredentora. Na  Comunhão dos Santos cada qual pode ser útil aos irmãos na medida em que se configura a Cristo Redentor.

4.  Casos Concretos

À guisa de complemento, vão apresentados alguns casos concretos de estigmatização, tidos como autênticos uns (não, porém, artigos de fé), duvidosos outros.

4.1. Casos tidos como autênticos

4.1.1. São Francisco de Assis (1181- 1226)


Aos 14 de setembro de 1224, festa da Exaltação da Santa Cruz, enquanto rezava no eremitério do Monte Alverne, Francisco teve a visão de um Serafim, sobre o qual brilhava o Crucificado. Quando a imagem desapareceu, Francisco sentiu “o coração arder de amor, enquanto na sua carne estavam impressos os sinais da Paixão do senhor; apareceram nas suas mãos e nos seus pés as marcas dos cravos: além disto, trazia no costado uma fenda como se tivesse sido atingido por uma lança; a túnica e o calção do santo se achavam
manchados de sangue. É Tomás de Celano, o biógrafo mais famoso de Francisco, quem o narra (Vita I Parte II, Cap. II, p. 93). S. Boaventura (+ 1274) oferece relato semelhante em Legenda Maior, cap. XIII, p.2. Testemunhas oculares confirmam o fato, pois o puderam observar no cadáver do Santo.

Imediatamente após o falecimento de Francisco, Frei Elias escreveu ao Provincial da França com grande alegria:

“Anuncio-vos uma grande alegria, ou mesmo um novo milagre. Desde a origem do mundo, nunca se ouviu contar tão maravilhosa coisa, a não ser do Filho de Deus, que é Cristo nosso Deus. Com efeito; muito antes da sua morte, o nosso Pai e Irmão apareceu crucificado, trazendo em seu corpo as cinco chagas, que são realmente os estigmas de Cristo: as suas mãos e os seus pés tinham, por assim dizer, furos devidos a pregos cravados na carne… ao passo que o seu costado parecia ter sido golpeado por uma lança, deixando as marcas de sangue” (S. Boaventura, Legenda Maior Lectio tertia).

A notícia dos estigmas de S. Francisco é tão documentada por testemunhas próximas ao fato que os críticos julgam não os poder pôr em dúvida. É, sim, possível discutir a configuração desses estigmas, pois os relatos nem sempre concordam entre si. É razoável, pois, acreditar que Francisco, ao contemplar assiduamente a Paixão do Senhor, foi agraciado com as chagas decorrentes dessa Santa Paixão.

4.1.2.  Santa Catarina de Sena (1347 – 1380)


Parece que não teve estigmas visíveis, mas chagas internas.

A biografia de Catarina foi escrita por testemunhas fidedignas, como por exemplo, o Bem-aventurado Raimundo de Cápua, confessor da Santa e, posteriormente, Mestre Geral da Ordem Dominicana; verdade é que a admiração de Raimundo por Catarina levou o biógrafo a certos exageros, mas julga-se que, em substância, o que ele refere é fidedigno.

Desde criança, Catarina foi muito atraída por Jesus; retirava-se numa gruta para rezar a sós durante horas. Fez-se irmã da Ordem Terceira de S. Domingos, e teve visões e êxtases que repercutiam sobre o seu corpo, o qual se enrijecia e até levitava.

Recebeu estigmas internos, ou seja, as dores dos estigmas. Eis como o Bem-aventurado Raimundo o descreve na qualidade de testemunha ocular:

Catarina estava na capela de S. Sixtina em Pisa. Recebeu a S. Comunhão e, como relatam as pessoas presentes na capela, ela estendeu os braços e as mãos: ficou radiante de luz e caiu por terra, como se tivesse sido mortalmente ferida. Pouco depois recuperou os sentidos.

Então, conta o Bem-aventurado Raimundo, ela chamou seu confessor, e em voz baixa lhe disse: “Saiba, ó Pai, que pela misericórdia de Deus, trago no meu corpo os estigmas de Jesus. Vi o Senhor pregado à Cruz: das cicatrizes de suas sacratíssimas chapas desceram cinco filetes de sangue, dirigidos respectivamente às mãos, aos pés e ao coração. Ciente do mistério, exclamei logo: “Ah, Senhor meu Deus, eu Te peço que não apareçam essas cicatrizes na superfície do meu corpo”. Enquanto eu o dizia, antes que os filetes chegassem a mim, a sua cor de sangue se transformou em cor refulgente, e, sob a forma de luz pura, chegavam aos cinco pontos do meu corpo, isto é, às mãos, aos pés e ao coração”.

Perguntou-lhe então o Bem-aventurado Raimundo: “Nenhum filete chegou ao lado direito?”.  Respondeu ela: “Não, mas sim ao lado  esquerdo, acima do meu coração – aquela luz que saia do lado direito de Jesus, feriu-me diretamente”. Continuou o Bem-aventurado Raimundo: “Sentes dor nesses cinco pontos?”. Ela, após profundo suspiro, respondeu: “É tal a dor que sinto nesses cinco pontos, especialmente no coração, que, se o Senhor não fizer outro milagre, não me parece possível que eu possa subsistir, escapando da morte dentro de poucos dias”.

Após a morte de Catarina, o Pe. Prior do Convento da Minerva escreveu ao Bem-aventurado Raimundo para dizer-lhe que ele e muitas outras testemunhas tinham visto as chagas no corpo da Santa por ocasião das suas exéquias. Além disto, no pé de Catarina que se conserva em Veneza, se observa a marca das chagas: o mesmo se dá na mão da Santa que é guardada no Convento de S. Sixto em Roma.

Fonte: Paraclitus

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